Uma das propostas do Desacelerando é conectar ciclistas, colocando-as(os) em diálogo sobre suas experiências, histórias, descobertas, conquistas, dificuldades, visões da cidade, da mobilidade urbana, do modelo de sociedade. Assim, a série é apresentada por apresentadores-ciclistas que, entrevistando um(a) outro(a) ciclista, troca com ela(o) conhecimentos e opiniões sobre o uso da bicicleta e suas concepções de cidade e coletividade. Além da entrevista, as personagens ciclistas (apresentador/a e entrevistada/o) pedalam juntas durante parte de um dia, criando experiências coletivas sobre a bicicleta.
Nessa primeira temporada, nossa apresentadora-ciclista será a pedalante Luiza Rossi, doutoranda na Universidade de Brasília, que vem usando a bicicleta na capital desde 2012 e que agora assume esse texto para dar o relato que segue!
Comecei esse pedal na capital com uma bici que herdei da minha irmã, que iria se mudar para outro estado. Ela me perguntou se eu queria ficar com a bici, se eu usaria, e eu adorava aquela bici desde sempre! “Desde sempre” significavam 8 anos, quando a bicicleta entrou na família. Claro que eu queria e ia usar! Seria um prazer, um sonho!
Naquele momento, um ótimo timing, uma sincronicidade se dava: um grupo de amigos do Projeto 10porhora ia pedalar de Alto Paraíso/GO a São Jorge/GO, uma bela estrada de 40km na Chapada dos Veadeiros. A ideia era chegar de ônibus com a bici em Alto Paraíso e acampar, para na manhã seguinte fazer a estrada até São Jorge, onde dormiríamos acampados novamente. Precisava-se de uma bicicleta!
Assim fomos! A estrada se revelou com subidas surpreendentes para o planalto central!, rodeada por uma vista incrível. Dos 40km, os primeiros 20km eram asfaltados e tinham ciclovia, enquanto os outros 20km eram de areia, cheio de “costelas na estrada” para evitar derrapagens. Para nós, as costelas se revelaram pequenos quebra-molas que viravam montinhos fofos de areia sobre os quais era muito difícil pedalar! Assim fomos! Chegamos no início da noite, depois de peripécias e novas memórias no caminho! E nos deparamos com o céu danado de estrelas que costurava a noite sobre a barraca. Passamos duas noites e então voltamos pra capital, mas não sem antes fazer um pedal até uma cachoeira no meio do caminho – não se pode perder certas vistas..!
Nessa experiência, conheci mais o Projeto 10porhora e sua visão da bicicleta como atriz da desaceleração social. Para o 10porhora, a possibilidade de levar-se a novos lugares e de estar conectado com o seu entorno nesse trajeto, sentindo o relevo nas pernas, vendo lentamente a paisagem, sentindo o vento no rosto, o calor do dia no corpo, em intenso contato com o arredor, permite uma experiência transformadora de participação no acontecimento, de presença.
Para o Projeto 10porhora, essa atitude de presença e a consciência do desacelerar são componentes fundamentais para a ascensão de um modelo de sociedade sustentável que cuide da manutenção da vida na Terra, do equilíbrio. Sociedades nas quais não exista o “Dia de Sobrecarga da Terra”.
O retorno do que parecia ser uma simples viagem Alto Paraíso–São Jorge prolongou-se em mim… foi vendo regar e germinar certas sementes… e assim foi-se dando início a minha troca do carro pela bicicleta, enquanto eu estudava a graduação em Ciências Sociais na UnB, junto a outras mudanças que a favoreceram. Foi muita bicicleta, descobertas da cidade, mudanças e experiências ao longo de seis anos, até que voltasse a dirigir com uma mínima frequência. Hoje o carro está presente em 40% da minha rotina, enquanto a bicicleta tem estado presente menos do que isso!, para lazer e para resolver coisas simples da semana. O Desacelerando, com suas conexões de pedalantes por aqui e por aí, sem dúvida vai dar uma chacoalhada nessa realidade!
Essa minha pedalada que vem acontecendo ao longo da última década, é importante dizer, acontece especialmente no Plano Piloto, embora eu tenha circulado pelo Lago Oeste/DF, Altiplano Leste/DF, Águas Claras/DF, ParkWay/DF, Taguatinga/DF, Cavalcante/GO, Alto Paraíso/GO, São Jorge/GO, Pirenópolis/GO e quem dera sempre mais.
Há muitos, muitos mais caminhos pelo Distrito Federal e por isso nessa temporada convidamos pedalantes de diferentes paragens, de diversas Regiões Administrativas, dando a ver a costura dessa teia de bicicletas no planalto central. Vem com a gente pedalar por aí!